A Cirurgia Cardiovascular é uma especialidade médica que trata cirurgicamente as doenças que acometem o coração e vasos da base. Essa área teve um enorme avanço nos últimos anos e hoje é responsável por atuar em diversas patologias, como infarto agudo do miocárdio, aneurisma de aorta e doenças cardíacas estruturais, como comunicação interatrial, forame oval patente, entre outras.
O cirurgião cardiovascular intervém na patologia e, dentre os procedimentos que realiza, podemos citar, como exemplos, o enxerto de revascularização do miocárdio, substituições de válvulas, transplantes cardíacos, reparos de aneurismas torácicos, reparos de defeitos septais e traumas no coração.
O início dos estudos sobre o coração, que originaram a cardiologia e a cirurgia cardiovascular, foram constantemente atravessados pelo mito de que o órgão era a sede da alma, criando assim um distanciamento às investigações devido sua importância. Os avanços científicos do século XX desmistificaram essa crença, o que permitiu o desenvolvimento das especialidades.
Depois dos estudos sobre o coração, vieram as primeiras intervenções cirúrgicas juntamente de seus desafios. Há relatos de drenagens cirúrgicas do pericárdio já em 1810, tendo ocorrido na Espanha e na França. Em 1890, foram feitas tentativas de correção de ferimentos no coração em Roma, porém há indícios de que os pacientes não sobreviveram após tais cirurgias.
Em setembro de 1896 aconteceu a intervenção cirúrgica considerada a primeira a ter sucesso, já que o paciente sobreviveu após a operação. Ela foi realizada na Europa por Ludwing Rehn, que suturou um ferimento cardíaco de um paciente de 20 anos de idade e com laceração de 1,5 cm na face anterior do coração.
O desenvolvimento da cirurgia cardiovascular continuou e uma evolução de extrema importância foi a prática da cirurgia cardíaca aberta. O primeiro a praticar uma cirurgia cardíaca aberta com sucesso foi o Dr. F. John Lewis em 1952. A cirurgia visava corrigir uma comunicação interatrial associando técnica de interrupção do fluxo nas cavas e hipotermia corporal moderada (26ºC). A paciente era uma menina de 5 anos de idade e a cirurgia foi realizada no Hospital da Universidade de Minnesota (EUA). Outros grandes fatos aconteceram na Universidade de Minnesota, sendo uma instituição de relevância para a cirurgia cardíaca mundial.
A Universidade de Minnesota contribuiu também para a formação dos pioneiros na cirurgia cardíaca no Brasil, entre eles estavam os médicos Euryclides de Jesus Zerbini, Delmont Bittencourt, André Esteves Lima, Hugo Felipozzi e Domingos Junqueira de Moraes que tornaram viável a cirurgia cardíaca no nosso país, difundindo seus conhecimentos e formando escolas. No Brasil, a primeira operação cardíaca foi realizada em 1905 pelo cirurgião João Alves Lima, sendo que fez a sutura de um ferimento cardíaco e o paciente sobreviveu apenas uma hora após o procedimento.
O desenvolvimento da tecnologia para circulação extracorpórea durante a cirurgia cardiovascular é outro marco para a especialidade. Após isto, surgiram vários serviços capacitados para tratar cirurgicamente lesões cardíacas mais complexas ao redor do mundo. Foi em novembro de 1956 que Hugo Felipozzi realizou a primeira operação com circulação extracorpórea total no Brasil, para corrigir um defeito do septo atrial do coração do paciente. A máquina de CEC (circulação extracorpórea) utilizada foi desenvolvida no Brasil e dois anos depois os médicos Zerbini e Jatene também desenvolveram máquinas de CEC nacionais.
Em 1968 no Brasil, o Prof. Zerbini realizou o primeiro transplante cardíaco do país, sendo também o primeiro na América Latina e o 17º no mundo. As realizações da cirurgia cardíaca no Brasil acompanharam o desenvolvimento da especialidade no mundo conforme indica a história.
Em 1994 já realizavam-se, no mundo, cerca de 2.000 cirurgias cardiovasculares por dia, sem grandes dificuldades e com baixo risco, incluindo pacientes neonatos e idosos. Em meio ao contexto, a cirurgia cardíaca brasileira é reconhecida mundialmente, além de apresentar alto e satisfatório número de cirurgias realizadas. Hoje, existem profissionais e centros respeitados dentro e fora do país e indústrias nacionais que exportam equipamentos, como máquinas de CEC, oxigenadores, valvas biológicas e mecânicas para o mundo todo.
Referências:
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FREEMAN, B. S. The ultimate guide to choosing a medical specialty. 4th edition. New York: McGraw- Hill Education, 2019.
PRATES, P. R. Pequena história da cirurgia cardíaca: e tudo aconteceu diante de nossos olhos. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery, v. 14, p. 177-184, 1999.